domingo, 7 de outubro de 2012

Arrependimento

Inspirado em Kapanihan, do DA

- Eu não quero, me solte, Daddy! - Dava pra ouvir da porta fechada, sua irmã se debatendo. O pobre menino respirava sem parar, cheio de medo. Devia ser nove da noite, se ouvia uivos de cães, algumas corujas voando de um lado para o outro, a lua iluminava parcamente o seu quarto.
Desde menor, o pai deles fazia aquilo com a menina. Estando ou não bêbado ou drogado, não se passava uma só semana que aquilo não acontecesse.
Era um pequeno gênio, foi o que sua professora lhe disse, e ele contou ingênuo aos pais. Estava com as melhores médias na escola, por querer trazer orgulho. No entanto, a mãe só gargalhou, como se ouvisse uma piada. Seu pai ficou um pouco feliz, se era que aquilo era se mostrar feliz:
-Sua irmã, essa vadiazinha, devia seguir o mesmo caminho!
Não queria trazer aquilo pra sua gêmea, tão querida para ele. Finalmente, os gritos cessaram, apesar da respiração descompassada que era possível ouvir.
Ele ouviu a porta abrir, porém não se mexeu. Era a irmã, tanto quanto, ou até mais machucada que ele.
As memórias vieram daquela tarde, quando o menino deixou um copo cair e se quebrar. Sua mãe, que bebericava um copo de algo alcoólico enquanto se sentava no colo de um homem desconhecido, se levantou abruptamente e com os olhos flamejantes:
-Seu vagabundo, olhe o que você fez! Vai apanhar, AGORA! - E pegou um cinto de couro. Ele conhecia desde pequeno a dor atroz que aquilo causava.
-Me desculpe, Mommy, eu sei que gostava daquilo... AAH! - Uma cintada. - ... Mas eu realmente não fiz por querer... AAI! - Duas cintadas. - Sei que desapontei você... AAU! - Três cintadas. - Mas, por favor, me ouça... AIEH! - Quatro cintadas. - Tenha piedade de mim! AAH! - Cinco cintadas. A partir daí, só se ouvia gemidos, gritos, alguns estalos, talvez seus ossos estivessem quebrando. Seis cintadas, sete cintadas, oito cintadas. Sua mãe lhe odiava tanto assim? Isso era realmente desesperador. Nove cintadas, dez cintadas, onze cintadas...
Sua irmã o chamou, e voltou ao mundo real. Eles tinham certeza de que o homem que chamavam de pai, não era realmente o pai deles. Por quê? O homem era moreno, de olhos negros avermelhados. As duas crianças eram loiras do olho azul. Bem, o cabelo de sua irmã era um pouco mais escuro, mas isso mal era percebido quando estavam todos sujos, encharcados do sangue de cada um. Não podiam dizer que era sujo, afinal, era o próprio sangue, mas quando ficavam daquele jeito por muito tempo, cheiravam àquela faca enferrujada que o chamado pai deles usava para o trabalho.
- Sim, minha irmã? - Mostrou que estava ouvindo-a. Ela sorriu, com a inocência ainda intacta.
- Eu queria ir embora daqui, queria mesmo. - Disse de todo o coração. O menino entendia, entendia de verdade, mas...
-Irmãzinha, eu também quero, mas temos de terminar nossa missão, lembra? Eles precisam de nós, apesar de tudo. Não podemos abandoná-los.
-Tudo bem. - Ele se levantou, apesar das dores no corpo. Realmente tinha quebrado algum osso. Chegou perto, quase se arrastando, e olhou-a. Os olhos dela, apesar de sofridos, continuavam azuis, límpidos. Mesmo que houvesse todas aqueles hematomas espalhados no corpo, ela ainda era um anjo, tão pura.
- Irmão... - E juntou seus lábios aos dela, com carinho. Não era algo pecaminoso, apesar de que muitos atirariam pedras, dizendo ser incesto. Não era. Assim como muitos pais davam beijos na boca dos filhos, como uma extensão de seu afeto e sem malícia, aquele beijo trocado era um desejo de melhora, sem mácula, sem desejo, sem malícia.
Os dois se deitaram, deixariam pra tomar banho no dia seguinte, quando as dores já teriam passado em sua maior parte.
Acordaram com sirenes de polícia. Desceram calmamente, como se tivessem esquecido o estado lastísmavel em que estavam. Havia muitos policiais no lugar, além de seus pais com algemas nos pulsos, alguns vomitando ao sentir o cheiro metálico que elas emanavam e ver o sangue que empapava os cabelos e suas roupas esfarrapadas, e na porta da velha casa, o homem desconhecido que estivera na sua casa no dia anterior, com um terno grafite cinza.
Ao reconhecer as crianças, deu um sorriso, mais de compaixão do que de simpatia, ao ver as marcas do cinto na pele do menino, e o sangue que ainda descia das pernas da menina, junto com algo branco que dava nojo só de se pensar no que era.
Apesar de estarem doloridos e sujos, os gêmeos deram um sorriso tão inocente que iluminou a sala tão carregada, e deixou todos mais bem-dispostos. Foram levados pelo homem de terno, que tinha uma bela casa, uma esposa gentil e filhos pequenos, mas muito fofos.
Depois de tomarem banho, foram adotados por eles, mas ao final da adolescência, quando estavam prestes a escolher uma carreira...
Naquela noite, o homem a quem chamavam de pai contava as horas para o dia seguinte, o dia em que finalmente seria solto. Aqueles malditos policiais, além de descobrirem o que fazia com a vadiazinha, descobriram os assassinatos. Ele era um mercenário pobre, seria facilmente achado, mas nunca pensou que seria culpa da prostituta que era sua esposa.
Um deputado aparentemente teve a ideia de se fazer de isca, e pegou sua mulher no flagra. Descoberto o lugar, no dia seguinte já vieram prendê-los.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma voz familiar:
- Daddy?
- Hein? A vadiazinha? - Ele se surpreendeu.
- Não diga isso, Daddy. - A menina virou uma mulher, mas ainda assim, parecia tão doce e infantil como sempre. Sempre achou incrível como não conseguia quebrar aquela inocência, que parecia se refazer em tão pouco tempo. Mesmo o hímen parecia indestrutível, pois nunca chegou a conseguir rasgá-lo, apesar dela sangrar horrores.
E era impressão dele, ou ela havia luzes saindo das costas, como se fossem... Asas?
- O que é isso? - Perguntou, mortificado.
- Daddy, nesse momento, eu preciso que se arrependa de seus pecados, para que o resto de sua vida seja feliz.
- Por que eu faria isso? Talvez eu nem seja pai de vocês, aquela mulher deitava com muitos.
- Mas o senhor nos criou, e isso conta mais que um pai biológico. - Ela respondeu com paciência.
- Okay, eu realmente extrapolei com vocês, tá bom? A vida nunca sorriu pra mim, e vocês sempre foram tão bonzinhos que me dava raiva. - Disse, um pouco arrependido. - Se eu tivesse procurado um emprego melhor, talvez não estivesse nessa m**** de prisão, mas o que posso fazer agora?
- Procure aquele homem que o delatou. Ele nos adotou, e gostaria que viesse nos ver amanhã, por favor.
- Está bem. - O homem suspirou, e ela bateu palmas, contente.
-Ótimo! Venha amanhã, sem falta! - E sumiu. Caiu no sono num instante.
Enquanto isso, numa cadeia mais ao longe, a mulher recebia uma visita igual do irmão gêmeo, um pedido de que ela se arrependesse e de que ela viesse no dia seguinte para vê-los.
Quando amanheceu, os dois foram soltos, e acabaram se encontrando na frente da casa do deputado. Ao contrário do que imaginaram fazer ao se encontrarem de novo, nenhum dos dois disse algo. Ficaram calados, apenas se encarando em cumplicidade e olhando a mansão.
- Sim, senhores? - O próprio deputado viera em pessoa, segurando algumas lágrimas pelo que perceberam.
- Gostaríamos de saber se nossos filhos estão bem. Nos arrependemos do que fizemos, e tivemos um sonho estranho, em que eles nos chamavam para que viéssemos e...
- Sinto muito, eu cuidei deles com todo o carinho, para que fossem felizes, mas... Mas... - E desabou no choro, enquanto seus seguranças abaixavam a cabeça, murmurando "Pobres crianças..." e lembrando o quanto eram dóceis e gentis.
"Eram?" Os ex-criminosos se perguntaram, com um estranho aperto no coração.
- Elas morreram. - A esposa do deputado explicou, com os olhos vermelhos, mostrando que já havia chorado demais antes. - Morreram dormindo, sem motivos. Não estavam doentes, não foram envenenadas, não aconteceu nenhum homicídio aparente. Ao menos, se foram sem sofrimento.
O arrependimento daquele que já foi assassino e daquela que já foi prostituta, era tão grande que não cabia no peito. Não era justo. Não era.
-Podemos ao menos... Ver o rosto deles?
Dias depois, o enterro aconteceu. Ficaram surpreendidos ao ver tantos amigos das crianças, mais até do que políticos no lugar. Por sorte, estavam perto do caixão, o suficiente pra ver que apesar de tudo, elas ainda pareciam vivas.
-Vocês eram os pais deles, não é? - Uma dos amigos puxou conversa. - Eles contaram pra gente, tudo que fizeram, mas nunca mostraram ódio de vocês. Deve ser por isso que, apesar do que vocês fizeram, não consigo odiá-los. - E sorriu.
A partir daquele dia, passaram a viver com cuidado, para fazer somente o bem. Bastava um erro com alguém que o arrependimento batesse com força. Mas foi desse jeito que conseguiram viver realmente felizes, com a certeza que, quando morressem, aqueles que os levariam embora seriam as crianças mais iluminadas que já encontraram: os dois irmãos gêmeos, seus filhos.

Isso foi um texto que tive vontade de escrever. Costumo pegar imagens que retratam o estado de espírito de uma história, para retratá-la bem.
Sei que foi muito grande, mas ainda não estou sob efeito da Ritalina, então não é culpa dela, okay? Sou eu mesma que queria colocar tudo de mal que me senti esses dias pra fora com ajuda de um teclado.
E acreditem, escrevi tudo isto com o notebook quebrado. Ele resolveu dar problema, eu não sabia que pegar direto na tela de cristal líquido daria problema (ninguém nunca me disse) aí só estou usando metade da tela. Toda torta.
Os gêmeos são Sunny e Melody, cuja história ainda estou escrevendo. Talvez vire um livro. Mas eles são exatamente assim como descrevi, Melody é a forte, de cabelos loiros escuros (ou sujos), e Sunny é o gênio, de cabelo loiro dourado quase platinado. Os dois têm olhos azuis límpidos, o rosto igual, e só algumas diferenças.
Incesto? Bem, eu pensei em colocar isso, mas muitos não gostariam, então só vou insinuar. Nos anjinhos acima, só houve uma insinuação, mas como não era o foco da história (o foco era a missão de fazer os pais se arrependerem de todos os seus pecados, de forma que os marcasse profundamente), não teve nada além de um selinho casto.
Sophia no Kissus!

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